Foi na primeira vez que tive que dar um banho na minha mãe que a ficha caiu. Naquele instante, os papéis de cuidados haviam se invertido e eu nunca havia me preparado para isso. Três semanas antes, ela havia tido um diagnóstico de um silencioso câncer avançado.
Cinco semanas antes, ela tinha me recebido com meu prato favorito. Sete semanas antes, ela se divertia comigo, brindando a vida em uma cantina italiana. E agora lá estava eu diante daquele corpo frágil, que sempre foi meu colo, o meu remanso, precisando de ajuda para as necessidades mais básicas.
Eu que sempre valorizei o conhecimento, com mais de 20 anos de estudo, entre graduação e pós-graduações, não me atentei para o fato de que, sim, cuidar dos nossos pais exige aprendizado. Às vezes, de forma rápida e sem manual de instruções.
Com meu pai, prestes a completar 95 anos, o processo tem sido diferente. Mesmo com limitações, como uma insuficiência cardíaca controlada, surdez (ele se recusa a usar aparelhos auditivo) e cegueira de um olho devido à catarata (operou um olho, ficou ótimo, e se recusa a operar o outro), ele luta para manter sua autonomia em todos os sentidos.
Mora sozinho desde a morte da minha mãe e se recusa a ter um cuidador. Aceitou que eu contratasse uma funcionária para cuidar da casa e da comida, mas não quer ninguém dormindo no mesmo teto que ele para o desespero das filhas, a mais 300 km de distância.
“Pai, vou à farmácia. O que precisa comprar?”, pergunto quando estou por lá. “Não preciso de nada. E se precisar, eu mesmo vou. Ainda tenho duas pernas, minha filha!”, ele responde sempre.
Mora em uma chácara e cuida sozinho de uma plantação de mandioca, do plantio à colheita. Calcula a melhor época para vendê-la e fica feliz da vida quando tem um dinheirinho extra no bolso, fruto do seu trabalho nessa fase da vida.
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Ele também é resistente a médicos. Na sua primeira e última consulta com o geriatra, ficou indignado quando o médico iniciou alguns testes cognitivos e de coordenação motora.
“O senhor está de brincadeira comigo, né doutor? Não tenho Alzheimer, não! Eu tô perdendo o meu tempo aqui. Tenho muito o que fazer em casa!”
Ao cardiologista ele vai sem reclamar desde o primeiro infarto, aos 80 anos. Há oito anos, ganhou também um marcapasso no peito. Reclama, mas toma os remédios prescritos. É outra coisa que eu tenho aprendido: respeitar a autonomia dos mais velhos, mesmo sabendo que, muitas vezes, ela vem acompanhada da teimosia e, invariavelmente, há um preço alto a pagar.
Em uma das situações, há quatro anos, meu pai caiu de um abacateiro de 5 metros, enquanto fazia uma poda. Milagrosamente, não quebrou nada.
Hoje, eu e minha irmã tentamos nos antecipar. O mato está crescendo? Precisa podar alguma coisa? Já chamamos alguém para fazer o serviço sem avisá-lo. É melhor ouvir as broncas dele do que pegar a estrada em desespero sem saber o que encontrar no pronto-socorro.
Ao mesmo tempo, mesmo com tantas diferenças, etárias e de contexto de vida, consigo entender o temor que o meu pai tem de depender dos outros, ainda que seja das próprias filhas.
Acompanhar de perto o envelhecimento dos meus pais (e envelhecer junto com eles) me fez ver como é importante o planejamento para tornar esse período da vida mais suave.
Desde o ponto de vista emocional, para encarar a fragilidade daqueles que, para nós, sempre foram sinônimos de fortaleza, até para decisões financeiras, já que os custos serão altos, e escolhas de fim de vida.
Mas nem tudo é dificuldade. Há muita beleza e benefícios em acompanhar o envelhecimento dos pais.
Cuidar deles permite que a gente reveja laços, acerte pendências, e aprenda muito sobre empatia e compaixão.
Encarar o declínio de alguém que a gente ama também nos faz refletir sobre a nossa própria vida, valores e sobre como queremos ser cuidados na nossa velhice.
noticia por : UOL