Cortes de energias renováveis crescem e ampliam crise entre geradoras e governo

Os cortes involuntários de geração de energias renováveis se intensificaram em 2025, ampliando divergências entre empresas e o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), e levando o governo a antecipar medidas para minimizar os prejuízos.

Esses cortes acontecem porque hoje, em determinados períodos do dia, a geração de energia no país é superior à demanda e à capacidade das linhas de transmissão do Nordeste de escoar a energia para o Sudeste, onde está a maior demanda. Nesses casos, o ONS opta por cortar a energia de alguns geradores.

Governo e empresas divergem sobre os volumes cortados, mas estudo da consultoria Volt Robotics mostra que, na visão do setor privado, os cortes no primeiro trimestre representaram 16,8% de tudo o que as usinas poderiam gerar no período, alta de 60% em relação a 2024.

O aumento teve forte impacto da queda de linha de transmissão das hidrelétricas de Belo Monte, no Pará, o que reduziu a capacidade de transferência de energia da região Nordeste para o resto do país, mas também reflete o crescimento da oferta acima da demanda e da capacidade de transmissão.

Até fevereiro, por exemplo, os cortes chegaram a representar um quarto do potencial de geração, na visão das empresas.

A diferença entre os dados das empresas e do ONS é um dos pontos de conflito no setor e influi diretamente sobre a percepção de prejuízos financeiros dos empreendedores, que buscam na Justiça ressarcimentos pelas perdas com a energia não gerada.

Associações que representam geradores eólicos e solares questionam não só os volumes informados pelo ONS, mas também a classificação dos cortes, fundamental na disputa pelo ressarcimento das usinas. Reclamam também de falta de transparência do órgão na definição dos cortes.

“Hoje os agentes têm muita dificuldade de compreender por que algumas empresas e algumas usinas estão sendo cortadas e outras não”, diz o presidente executivo da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), Rodrigo Sauaia.

Os dados da Volt mostram, por exemplo, que o mercado entende ter sido forçado a cortar 5,8 milhões de MWh (megawatts-hora) no trimestre. O ONS diz que cortou 3,9 milhões de MWh. Em receita, são R$ 136 milhões em disputa.

O ONS afirma que, seguindo a legislação, não contabiliza cortes quando não recebe dados em tempo real sobre insolação e força dos ventos, necessários para calcular quanto cada projeto deixou de gerar energia.

O órgão alega ainda que, também seguindo as regras, não considera corte de energia casos em que as empresas falham em atender o volume mínimo despachado, o que indicaria que não teriam mesmo condições de gerar a plena carga.

O diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, diz que as autoridades do setor já iniciaram um debate para aperfeiçoar as regras, permitindo que as empresas entreguem depois dados de medição de sol e vento para que o cálculo seja possível em determinados casos.

Mas defende que a questão da classificação dos cortes está estabelecida em lei e deve ser respeitada. Pela regra atual, as empresas só são indenizadas por cortes feitos por indisponibilidade elétrica, quando o sistema de transmissão perde alguma linha ou equipamento e tem a capacidade reduzida.

As empresas alegam que deveriam ganhar também em cortes por confiabilidade, que é quando o ONS precisa reduzir a geração para evitar riscos à rede de transmissão. O outro tipo de corte, por falta de demanda, também não é ressarcido.

Esse tema é alvo de ação judicial movida pelas geradoras, que questionam mudança na regra em 2021 e pedem ressarcimento também por razões de confiabilidade. O setor calcula que as perdas ultrapassam R$ 2 bilhões.

“A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tem colocado que é risco do gerador, mas isso nunca foi sinalizado como risco. O gerador se baseia no arcabouço legal, que deixa muito claro que cortes de geração vão ser remunerados”, diz o diretor Regulatório da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Francisco Silva.

Provocados pelo descompasso entre o crescimento desordenado da geração renovável e a expansão da rede de transmissão, os cortes na geração são hoje um dos principais problemas do setor elétrico. Empresas alegam que as perdas têm gerado dificuldades financeiras e paralisam investimentos.

O MME (Ministério de Minas e Energia) criou um grupo de trabalho para estudar medidas e esta semana aprovou pedido do ONS para implantar novos sistemas de proteção contra blecautes que vão ampliar a capacidade de escoamento de energia da região Nordeste.

Os sistemas devem entrar em operação em três meses, diz Zucarato, ampliando em mil megawatts a capacidade de transferência de energia dos parques na região.

O governo busca também acelerar um pacote de investimentos, de R$ 60 bilhões em linhas de transmissão licitados em 2024, para aliviar ainda mais o gargalo no transporte de energia para os grandes mercados da região Sudeste.

Ainda assim, o crescimento já contratado da geração vai intensificar a sobra de energia nos horários de maior insolação, mantendo a necessidade de cortes por falta de demanda. O setor defende algumas medidas para minimizar o tema, como incentivos de preço para o consumo nesses períodos.

O consultor Luiz Carlos Ciocchi, que já comandou o ONS, ressalta que, além de reforçar a transmissão, a solução definitiva do problema passaria pela atração de grandes consumidores para a região Nordeste, onde está a maior capacidade de geração renovável do país.

“É uma questão de uma política pública estratégica, poderia até ter algum benefício fiscal por um determinado período, tentando trazer de volta uma produção de alumínio, por exemplo, ou para atrair data centers”, afirma.

noticia por : UOL

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *